Perfeito...
Nos dias que correm, e no meio de tanta azáfama e tanta falta de tempo para um olhar mais clínico e apurado sobre o comportamento humano, é raro ver um texto tão bem escrito e tão objectivo como o que irei citar mais adiante. Retirado da Revista Única, suplemento do Expresso, este texto traduz muito daquilo que se passa com os que se consideram os eternos reformistas/renovadores. Para quem me conhece, e conhece as mesmas pessoas que eu, não tenho dúvidas em afirmar que este texto é Perfeito para uns ínfimos e insignificantes casos (que apesar da sua insignificância merecem ser sempre objecto de estudo). Senão leiam:
"O cânone do contestatário"
Lisboa, 10 de Outubro de 2006
Meu caro Magnífico Reitor
Acabo de descobrir uma lei da ciência, embora das ciências humanas, que merece um registo, senão até uma tese inteira, ou mesmo uma cátedra. Esta lei baseia-se em premissas observadas e comprovadas cientificamente e pode ser resumida, como quase todas as leis, a uma equação simples que eu descreveria, compactamente, da seguinte forma:
C= OC (niq) + A (nisc)
Onde C significa o contestatário; OC está por objecto da contestação; e A corresponde a argumento.
Assim, podemos descrever a fórmula do seguinte modo:
Contestatário igual a Objecto da Contestação (não importa qual) mais Argumento (não interessa se contraditório).
À primeira vista, isto pode não parecer qualquer avanço científico. Porém, se analisarmos melhor o problema, chegamos à conclusão de que o contestatário não depende daquilo que está a contestar, mas sim do facto de querer contestar.
Nos tempos em que me dediquei ao trabalho de campo descobri vários exemplos práticos e retirei diversas conclusões. Certos casos ocorrem imediatamente. Veja-se o seguinte:
Um contestatário, por norma, opõe-se à tradição religiosa de uma dada comunidade. É o caso dos contestatários do Sul da Europa em relação ao catolicismo. Porém, esse mesmo contestatário, no geral, defende que se respeite escrupulosamente as tradições religiosas de outras latitudes, porque essa é a forma mais simples que encontra de contestar a sociedade em que vive.
Outro ponto: um contestatário é, no geral, contra o casamento. Acha que a instituição é burguesa, ultrapassada, sem nenhum significado jurídico e menos significado emocional. Porém, o mesmo contestatário é um feroz adepto do casamento se este for entre homossexuais. Neste caso, acha-o um direito inalienável. Mais: acha que o termo casamento é a palavra exacta, o registo jurídico insubstituível e o logos emocional preciso para designar a união de dois seres.
O mesmo se passa, grosso modo, em relação à autoridade. O contestatário, no geral, acha a autoridade a raíz dos maiores problemas do mundo. Não só o excesso de autoridade é verberado como qualquer autoridade é criticada. Porém, qualquer lei que retire um pouco de autoridade a um dado grupo social é igualmente alvo da maior contestação por parte do contestatário.
É por isso que o contestatário da minha fórmula é igual ao objecto da contestação. Ou seja, ele está onde há contestação a um determinado assunto, sendo que essa contestação utiliza argumentos que no geral são contraditórios com outros utilizados pelo mesmo contestatário.
Significa isto, em termos gerais, que existe um "Cânone do Contestatário", um método, um modelo que se vai repetindo independentemente do que fazem ou deixam de fazer os contestados. Vista a esta luz, a contestação é inerente, intrínseca. E a sua hermenêutica, a sua interpretação, passa a ser feita à luz desta fórmula. E assim vai nascendo a Contestatologia, ou a nova ciência que estuda a contestação.
Abraça-te o
Comendador Marques de Correia"
Bem, posto isto só me resta reforçar o título. Para bom entendedor, meia palavra basta. Perfeito...
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