Tuesday, April 01, 2008

Realmente irreal...


“ Cheguei a casa à hora do costume. Nem mais cedo nem mais tarde. Estávamos a meio da semana e o fluxo de trabalho aumentava freneticamente. Pensei que fosse morrer com tanto que fazer. O que mais queria era tirar umas férias, viajar, conhecer novos lugares ou redescobrir velhos lugares. Mas não podia. Ainda faltavam algumas semanas para poder tirar férias…

Ao chegar a casa reparei que já estavas lá também. Recebeste-me bem-disposta, sorriso nos lábios e brilhozinho nos olhos. Rapidamente nos juntamos para um abraço bem apertado, bem nosso. Naquele momento não era preciso mais nada. Os problemas, o trabalho, tudo estava esquecido. Naquele momento senti-me abençoado, pela sorte bafejado e pelos deuses protegido. Era assim que me sentia nos teus braços…

Contaste-me o teu dia, falaste das tuas novas ideias, dos teus novos planos. Eram tantos que pareciam durar anos e anos…Contaste-me tudo e depois perguntaste-me a mim. Mas eu não queria falar. Tu já sabias isso, mas insististe mesmo assim. E lá falei eu então. Falei sem grande entusiasmo, até porque a semana estava a ser um marasmo, mas ainda assim tu prestaste atenção. Só tu mesmo…

E foi assim que nos sentámos no sofá. O verdadeiro sofá. Aquele que todos sonham, mas que nem todos alcançam. Continuamos a conversar e a ver televisão. Já não me lembro qual era a série, nem se era de aventura, de comédia ou acção. Sei apenas que estavas deitada no meu colo, cabeça apoiada na minha perna. Sabia que querias uns miminhos, sabia que querias os teus minutos da minha atenção…

Aos poucos lá fui passando as mãos pelos teus cabelos. Notava-se que a preguiça já te estava a rondar. Também te acariciava o rosto, o pescoço e os braços. Querias comer qualquer coisa na cozinha, mas as tuas pernas não queriam que os teus pés dessem nem dois passos. E lá fui então. Não preparei nada de mais, mesmo que mo tenhas dito que sim. Comemos, lavou-se e arrumou-se a louça na cozinha, e voltámos para a sala, para horas e horas de descanso sem fim…

Agora era eu quem me deitava no teu regaço. Retribuíste com carinho o que te havia feito ainda há bocadinho. Mas assim não estávamos bem. Se podíamos estar melhor a mil, porque ficarmo-nos pelo cem? E assim deitámo-nos. Eu um pouco mais acima do que tu. Afinal, a menina queria repousar no meu peito. Ao ver-te ali, assim deitada, pensei em como tudo era perfeito. Quis ser poeta para fazer uma quadra a preceito. Quis ser pintor para pintar o quadro do que via. Quis ser cantor para poder cantar a minha alegria…

Disseste-me que o meu coração estava acelerado. Eu respondi que não estava preocupado, pois sabia o porquê dessa aceleração. Perguntaste-me se havia algum problema e eu, sorrindo, disse apenas que eras tu a única razão. Sei que sorriste também, mesmo que não tenhas levantado a cabeça. Há coisas que nunca mudam, retorquiste tu, no meio de um suspiro. Um longo e profundo suspiro…

Continuamos assim deitados por mais algum tempo. Aos poucos foste chegando mais junto a mim, à procura do calor que te embalasse rumo aos sonhos e ao sono que te chamava. Já estavas à mesma altura que eu. Fitaste-me morosamente nos olhos. Não disseste uma única palavra. Também não era preciso. Há muito que falávamos assim, sem frases ou verbos ou sujeitos. Sem pronunciar um único vocábulo, éramos capazes de diálogos perfeitos. E assim estivemos até que os nossos lábios resolveram actuar. Não foi preciso muito mais para que nos estivéssemos a beijar. Mas estes beijos eram diferentes. Eram mais doces do que o mel. Eram mais suaves do que a seda. Eram mais ternos do que um recém-nascido…

E foi no meio desse contacto celestial que percebi que tudo vale a pena afinal. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Tudo vale a pena quando a fé não é pequena. Tudo vale a pena…

Aos beijos juntaram-se os abraços. E a estes os gestos de carinho. Nem quero acreditar que já não estou mais sozinho, deixei eu escapar após estarmos novamente abraçados e a ver televisão. E eis que quase deixa de bater o meu coração. O que se passa, perguntaste logo. Nada, respondi eu, apenas me dei conta de que acabou o sofrimento, acabou a solidão. Desta vez sorriste bem alto e o abraço que me deste era a resposta que eu precisava. Aos poucos fomos adormecendo. E assim permanecemos até meio da noite. Aí acordei e fui-te pôr à cama. Aconcheguei-te os lençóis, dei-te um beijo na face e deixei-te um bilhete dizendo “Há mais no fim-de-semana =) “…

Fui-me embora de alma lavada, com o espírito renovado. Estava muito mais aliviado. Tudo porque amava e sentia que era amado. Porque desejava e era desejado. Porque tinha comigo quem me queria a seu lado. Voltei para casa feliz. Era a minha casa. Mas estava vazia. E apesar do vazio que se fazia sentir, fui capaz de para ele olhar e dizer “Já não falta muito para que estejas preenchido um dia”. E o vazio calou-se, anichou-se e desapareceu…

Antes de dormir pensei em ti. Na tua beleza, no teu sorriso, no teu olhar. Pensei que se amanhã iria ter um bom dia era porque contigo tinha a sorte de estar. Mesmo que agora estivéssemos longe, separados fisicamente. Mas isso pouco importava. O importante era saber que tudo corria bem. E que ao acordar tudo estaria na mesma. Mesmo que tudo fosse um sonho. Mesmo que tudo fosse irreal”.

Nota do Autor: Este é um relato imaginário, utópico. É o sonho do Último dos Moicanos. Inspirado apenas e só na louca demência de uma semana repleta de insónias, directas e mais directas…

3 Comments:

Blogger Nês said...

Um texto destes é impossível não commentar...principalmente quando, todos os dias sentimos..."longa se torna a espera".

Mesmo porque, de tão "irreal" este relato se torna na pura realidade. E podia, perfeitamente, ser a minha realidade, ou de qualquer outra pessoa que o leia. Facilmente imagino esse quadro que o sujeito deste texto tanto queria pintar!

É facil ver as coisas do coração quando alguém as escreve com sentimento (mesmo que não escrevas sobre ti)...

Mais uma vez, os meus parabéns!
***

1:16 PM  
Blogger Mónica said...

Irreal??? Não me parece ;)
Esse quadro é muito real e facilmente o podemos encontrar...Afinal o amor é assim mesmo, tal como descreves...

4:39 PM  
Blogger MI said...

eu tb já tive esse sonho...talvez se possa mesmo dizer...quem já não o sonhou?poucos serão, contudo, os que podem dizer já o ter vivido...
(*)

8:18 PM  

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