Heteronimamente falando...
Hoje não sou eu que escrevo. Também não sei quem escreve. Tão pouco sei porque se escreve ou porque escrevo. Apenas sei que devo escrever...mesmo não sendo eu. O que me leva a escrever? Algo…qualquer coisa...talvez muito, talvez nada...Talvez uma qualquer ânsia de deste eu que escreve, mas que não sou eu. Mas não me perguntem qual a ânsia e de quem é...
Há dias assim...ou melhor, há noites assim. Noites em que o ar torna-se rarefeito. Em que no tudo e no nada parece haver defeito. Mesmo que o defeito esteja em mim...ou seja eu...Mas se há defeito em mim, a que mim se refere este eu que não escreve sendo eu? Ao que escreve? Ao que não escreve? Ou ao que não escreve? Confuso? Talvez não...
Talvez não porque nem mesmo eu sei quem escreve. Mas sei que quem escreve é um qualquer eu meu. É um qualquer eu que há em mim e que se mostra agora por já não mais temer o fim do seu eu interior...que pode ser interno, ou não, ao meu próprio eu. Mas seja ele mais ou menos interior, a verdade é que não deixa de ser um eu meu, um eu no qual eu também estou presente, um eu no qual sou o passado que procura o futuro neste presente actual que não se coaduna com o actualmente. Porque actualmente sou o que sou. E o que sou eu? Um eu sem mim ou um mim sem eu? Quem me encontrar saberá o que de mim se perdeu?
As voltas que este que escreve já deu. Tantas que já nem eu, que estou de fora a ler, sei a quantos este meu outro eu anda. E nem ele. Engraçado, não? Se calhar não...mas vai daí, que importa? Que importa se me sinto à leste? Que me importa se penso que este meu eu é apenas mais uma peste que surgiu porque não soube ser mais eu? Que importa? Para o eu que escreve já nada importa. Porque este eu quer partir. Quer partir para não mais regressar, para não mais se fazer ouvir. Porque este eu está longe de estar perto. Porque este eu já não é mais a água do meu deserto.
Este eu é etéreo. Este eu é transcendente. É algo que não consigo mais tocar. É força que já não posso mais controlar. É sonho que já não se impede de sonhar. É luz que não pode nunca deixar de iluminar. Este eu é Sol, é Lua, é brisa, é mar. Este eu é a molécula que faz o inquebrável não quebrar. E porque não quebra também não verga. E se não verga, resiste. E se resiste, luta, batalha e não me quer ver triste.
Mas triste hoje eu estou. Porque o meu outro eu ousou lutar a batalha que nunca ninguém ganhou, porque este meu eu nunca a quis ganhar. E não quis porquê? Porque os motivos já não eram suficientes para lutar. Mas agora surgiu um: o meu eu quer encontrar-se com o meu próprio eu. Quero ser um para poder ser uno. Quero ser um para poder ser "O". Quero ser eu para poder voltar ao meu eu...
À distância que este meu eu escreve do meu eu, não sei o que pensar. Mas sei que algo já ganhei. Porque numa mesma altura a todos os meus eus fiz pensar. Porque o meu eu sem mim nada é...porque não há nada em mim que não tenha um pedacinho do meu eu...e se em mim nada morre, então alegremente posso afirmar e aos céus bradar: o meu eu ainda não morreu!
PS- este texto tem apenas um objectivo: confundir complexamente com uma simplicidade estrondosa...hoje apeteceu-me ser heterónimo de mim mesmo...
0 Comments:
Post a Comment
<< Home