Monday, March 24, 2008

A voz...



Quase sem querer, faço-me ao caminho. Sigo um qualquer rumo, indiferente, pois sinto-me sozinho. Viajo rumo ao desconhecido que me aguarda do outro lado da ponte, do outro lado da estrada. As ruas são como margens de rios em tempos de seca – é quase tão raro ver aqui gente como peregrinos ocidentais a caminho de Meca…

Rua abaixo, rua acima, percorre em mim uma qualquer ânsia de procurar encaixar tudo em rima, como se a rima fosse a solução do problema que me aflige, como se a fé dos crentes do grande Egipto se resumissem apenas a uma Esfinge. Avançam-se uns metros, percorrem-se outros mais, dos meus olhos caem lágrimas, do meu peito saem suspiros e “ais”…

Não, não sei por que assim me encontro. Não, não sei porque me encontro assim. Devia estar feliz, alegre, contente. Devia estar a dar gargalhadas mil, sem fim. Mas não, não é isso que se sucede. Não é isso que acontece. O que acontece é que…é que não percebo este meu estado. Não percebo este nó no peito, na garganta, no meu interior. Não percebo porque me sinto, novamente, atingido e abatido por esta dor…

Esta dor que se aproxima e se apresenta indolor…até se fazer sentir, até começar a doer. Esta dor que faz o que quer de mim, que me leva a ter pensamentos tão ilusórios como…como aquilo que não quero dizer…

E o caminho continua a puxar por mim. Continuo a caminhar rumo a um destino sem fim. Sigo por becos e vielas, ouço fecharem-se portas e janelas. Há gatos que saltam, que pulam os muros. Há sons nocturnos que se notam mais puros. Como o som da voz que ouço chamar. Não sei se é por mim que está a clamar. Mas isso agora também já pouco importa. Já estou especado, parado à sua porta…

Ali me encontro agora, a voz lá dentro e eu cá fora. Ouço-a a cantarolar algo. Não, afinal não, creio que declama um poema antigo, com o seu quê de fidalgo. Ouça-a agora a vibrar vibrantemente. Canta a plenos pulmões “ (…) e é amar-te assim, perdidamente (…)”. Não sei quem se esconde por detrás da parede, tão-pouco sei porque mata aquela voz a minha sede. Mas, de facto, sinto-me saciado. É como se aquela voz, que está ali dentro, estivesse aqui fora mesmo a meu lado…

Já não ouço a voz. Penso que aquele silêncio não poderia ser mais atroz. A voz calou-se e levou-me com ela. Ainda a procuro através da fechadura, do friso da porta e do vão da janela. Mas nada. Nem sinais do som que ainda agora ouvia. Espero poder voltar a ouvir-te um dia…

Procuro então ao lar regressar, esquecer este episódio sem ter que dele me lembrar. Noto que não sei onde me encontro, reparo que a voz talvez tenha sido a razão deste meu desencontro. Olho em meu redor e não reconheço nada. E a noite já vai longa, vem lá a madrugada…

Palmilhados mil caminhos, percorridos não sei quantos trilhos, aos poucos reconheço alguns vizinhos, alguns amigos e alguns dos seus filhos. E noto também que pareço estar no mesmo sítio, no mesmo local de há pouco. Estarei a ficar então insano? Ou será apenas isto mais um devaneio louco? Não sei se a isto sei responder. Não sei se sei o que isto tudo quererá dizer. Apenas sei que ouço, novamente, aquele timbre, aquela doce e suave melodia. Não quero mais que a noite se vá, pois temo que ela já cá não se encontre quando chegar o dia…

Quase sem querer, regresso ao local do qual, aparentemente, nunca saí. Retorno à casa de partida deste jogo que ando a jogar há anos: o jogo da vida. Reparo que continuo sentado. Mas também noto que a voz, a tal que julguei ter ouvido outrora algures, a voz se encontra agora a meu lado. Fala comigo, canta para mim, soletra cada sílaba e termina cada frase sem dar a ideia de fim…

A voz está aqui agora. Mas já não está a meu lado. Encontra-se agora em solo sagrado. Percorre o meu ser, o meu corpo e a minha alma. Não me enerva, mas também não me acalma. Tenta fazer-se ouvir através dos seus acordes, dos seus “trinares”, da sua reverberação. Procura apaziguar-me os ouvidos, fazendo-se ouvir pelo meu coração…

Afinal, a voz estava comigo. Afinal, a voz foi a minha viagem, foi o meu bilhete de ida, e no meu regresso serviu de passagem. De passagem para algo que julguei já não ter mais: a aura, a mística e a crença dos ancestrais. A voz foi tudo isso e muito mais. Foi, num só caminho de ida, porta aberta para mil caminhos mais. Mil caminhos, mil rumos, mil trajectos. Mil paisagens, mil sonhos e mil projectos. Mil formas diferentes de perceber que tudo na vida são vozes…e que estas são fruto…dos nossos afectos…

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