Amar...
"Carta a um grande amigo,
Ontem deixaste-me a pensar. A conversa que tivémos, as coisas que revivi mentalmente enquanto falavas, os conceitos já assimilados por mim ao longo do que passei e que me assolaram a mente enquanto desabafavas, tudo isso veio à tona. Tudo isso e muito mais...
Ainda ponderei antes de partir para a escrita desta carta. Primeiro porque se trata de um assunto com o qual não estou, nem posso estar, directamente envolvido. Depois porque custou-me revisitar algumas ideias e pensamentos ao longo da noite, coisas que julgava bem guardadas e que tão depressa não voltariam a sair do "arquivo" em que as guardei. Por último, porque estou numa fase em que tenho evitado escrever, dado a uma série de acontecimentos menos bons que têm surgido na minha vida...mas por ti faço este esforço e redijo esta carta. Só mesmo por ti...se não fosse para ti, não o faria por mais ninguém, acredita...
Ontem falaste de amor, de coisas relacionadas com o amor: pedidos, projectos, futuro, cedência, etc...Tudo isso faz parte do amor. Tudo isso e muito mais. No caso concreto a que te referiste, apenas posso dizer que tenho pena que as coisas assim sejam e que, no que me for possível, tudo farei para que os desenvolvimentos possam ser do teu agrado, pois a mim só me interessa a tua felicidade...
No amor as regras, ainda que não pareçam, são muito simples. Nós, seres humanos, é que temos a tendência a complicar o que não se deve complicar. Nós é que gostamos de baralhar as cartas para voltar a dar, mesmo quando a "primeira vaza" das cartas nos é favorável. Temos essa estranha tendência, esse estranho vício de não confiar nas cartas que temos em mãos e preferimos deitá-las fora a assumir o jogo. Nós é que fazemos do jogo amoroso um jogo espécie roleta-russa em que, após termos a arma na mão e esta não ter disparado, voltamos a pedir a sua presença em nossas mãos, como se desejássemos que o tiro nos calhe a nós...Parece exagerado, mas não é...
Amar envolve muita coisa: confiança, amizade, cumplicidade, desejo, paixão, amor, etc e tal...Para amar precisamos de ter certas e determinadas características nas nossas relações e em nós próprios. Não se pode amar de ânimo leve, pois apesar de o amor transmitir leveza ao espírito, o amor não é, de todo, leve. Também não é pesado, atenção. É um sentimento volátil e adaptável às condições proporcionadas por cada uma das relações amorosas existentes no mundo...
No teu caso, grande amigo, só te posso aconselhar a olhar para mim. Já te disse ontem e volto a dizê-lo: infelizmente, nesse campo somos iguais. Poderia ser teu exemplo em tanta coisa mais positiva, mas quis o destino que assim não fosse e acabaste por ficar parecido comigo em aspectos que, agora, começam a ser um problema e não uma solução. E isso é mau...
Se o amor te pede algum sacrifício, mede, avalia esse sacrifício. Apesar de achar que não existem verdadeiros sacrifícios no amor, há coisas numa relação amorosa que podem ganhar esse contorno, essa aura de sacrifício. Essencialmente quando se trata de deixarmos de ser aquilo que realmente somos (não importa se bom ou se mau) para que a relação tenha futuro, tenha sucesso. A nossa essência é aquilo que nos dá alma, identidade, é aquilo que nos caracteriza e que nos define enquanto seres humanos. Mas e se a nossa essência for a causa de alguns males? E se a nossa essência for realmente o mal maior, o grande causador de discussões, de chatices? E se estivermos a perigar o futuro de uma relação por sermos o que somos?
Não estou a dizer que a culpa é tua e que tu és o único culpado. Numa relação a culpa é sempre dos dois. No matter what, é sempre dos dois. Mas acho que me cabe a mim, e tendo em conta que és o meu melhor amigo, zelar pelos teus interesses e dizer algumas coisas que possam servir de alerta. Mesmo que depois não assimiles nada do que te digo...
Não mudes só porque te dizem para mudar, muda porque achas que deves mudar. Não mudes porque só assim manterás quem amas a teu lado, muda porque quem está a teu lado vale esse esforço. Não sejas preto-e-branco só porque te pedem para deixar de ver a vida como um arco-íris, sê da cor que tiveres que ser, mesmo que queiras ser amarelo num dia de chuva ou preto num dia de sol. Não corras só porque os passos estão a ser acelerados nem pares só porque não os consegues acompanhar, corre apenas atrás dos teus sonhos e pára só para contemplar a beleza do caminho que trilhas ou para admirar a beleza de quem contigo caminha...
Não fales do que não sabes nem sintas o que não queres, sabe antes o que sentes e fala sobre isso. Não mintas a cada sim nem desmintas a cada não, sê antes de mais sincero contigo...as respostas estão todas em ti e no teu coração. Não forces o amor nem te deixes forçar por ele...a simbiose só é perfeita quando ambos se encontram em equilíbrio. Não queiras ser equilibrista sobre o precipício nem temas um vão de escadas com apenas 5 ou 6 lanços de degraus, caminha de forma sóbria e serena e procura adequar o teu ritmo àquilo que achas mais certo e seguro...
Não arrisques no escuro, mas também não estejas sempre à espera do "cavalo" certo para apostares - a vida é misteriosa e nem sempre descortinamos o verdadeiro significado das coisas, pelo que um verdadeiro amor pode estar encarnado tanto na pele de um TGV como na pele de uma velha locomotiva a carvão. Não sejas teimoso porque não queres perder o teu orgulho nem dês o braço a torcer só porque não queres ser apelidado de cabeça dura. Não te rias com desdém pois quem desdenha quem comprar...
Enfim, mede o amor pela força do que vives, do que viveste e do que pretendes vir a viver. Avalia tudo, mas não te esqueças nunca de consultar o grande perito em avaliações deste género - o teu coração. É ele quem decide, verdadeiramente, se vale a pena ou não...
Eu amei duas vezes na vida. Numa delas fui feliz e vivi o amor na plenitude, mas as coisas acabaram por não dar certo. Não desistimos de nada, apenas vimos que o melhor era seguirmos caminhos diferentes. O que não quer dizer que nos considerássemos pouco valiosos um para o outro. Apenas decidimos dar um novo rumos às nossas vidas, um sem o outro...
Na outra vez que amei não pude usufruir de muito. Culpa minha, mas não só. E neste caso nem tive tempo de avaliar o que quer que fosse para decidir o que quer que fosse. Não deixes que isso também te aconteça...
Conta comigo, grande amigo. Estou aqui para te dar um abraço de parabéns se tudo correr bem, como estarei aqui para ser o teu ombro se as coisas correrem menos bem. De uma maneira ou de outra, espero apenas e só que sejas feliz...
Estás cá dentro, é o que interessa. Um abraço do tamanho do mundo para ti...
LF"
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