Wednesday, September 03, 2008

Contos reais...


Ernesto é um sábio. Prestes a completar nove décadas de vida, passa os seus dias à janela, observando o mundo e os seres que nele habitam. Diz quem o conhece que é um sábio, um mago, um ser único e sem igual, alguém que se preocupa com coisas que há muito deixaram de afligir os seres humanos ditos “normais”…

Certo dia um jovem passava pela rua onde Ernesto habitava e foi interpelado pelo simpático idoso, o qual perguntou se o jovem dispunha de uns breves minutos para uma conversa. O jovem, que não tinha nenhum compromisso marcado, aceitou o convite, embora o tenha considerado um tanto ou quanto estranho. Afinal, era a primeira vez que falara com Ernesto, apesar de conhecer a sua fama…

Ernesto desceu e convidou o jovem a subir. Apesar de alguma desconfiança, o rapaz aceitou e lá se instalaram numa das varandas da casa de Ernesto. Falaram do tempo, do que ambos faziam na vida, falaram de família, falaram de futebol, falaram de muita coisa. Mas o jovem sabia que o motivo do convite de Ernesto não era uma discussão sobre quem deveria treinar o Benfica ou a selecção nacional. Era outra coisa, de certeza, mas ele não sabia bem o quê…

“Sabes porque te chamei e pedi para falar contigo?”, indagou Ernesto. O jovem abanou a cabeça, dizendo que não. “Pois bem, chamei-te porque ouvi falar muito de ti e das tuas ideias. E queria saber como eras e conversar contigo”, disse o idoso, olhando nos olhos do rapaz que se encontrava à sua frente…

O jovem nem sabia o que dizer, por onde começar, pelo que Ernesto pediu para que ambos se sentassem. O “velho” explicou que tinha um neto e uma neta que eram muito amigos deste jovem, e que ambos haviam dito maravilhas deste rapaz. E isso fez com que Ernesto tivesse vontade de o conhecer, até porque ouvira falar que o jovem tinha ideias muita claras sobre o amor…

“É verdade, jovem? É verdade que tens convicções fortes sobre o amor”, perguntou Ernesto. O jovem acenou com a cabeça, concordando. “Fala-me então de amor”, pediu o decano. E do nada, com a sua convicção de sempre, o rapaz resolveu falar de amor…

“O amor…o amor é. Acho que esta é a melhor definição para o amor. O amor é o que nós quisermos. Pode ser doce ou amargo, pode ser divino ou infernal, pode ser preto e branco ou colorido, pode ser eternamente efémero ou efemeramente eterno…

O amor pode assumir várias formas e surgir de várias maneiras. Não há barreiras no amor, nem físicas nem psíquicas, pois o amor é metafísico e é impassível de ser racionalizado. Amamos porque amamos, amamos porque precisamos de amar e ser amados, amamos porque o amor faz parte da nossa vida…

Não importa se quem amamos nos faz sofrer, não importa se quem amamos não nos dá valor. Importa sim que amamos essa pessoa, mesmo que ela não seja indicada para nós. Isso só saberemos com o passar do tempo. Tempo esse que nem sempre é aliado…

O amor é o que faz girar o mundo, é o que dá ânimo e força a muitas pessoas para enfrentar o dia-a-dia. Amar é ser-se uno num beijo, num olhar ou num abraço. Amar é ser-se capaz de dar a vida porque sem ama. Amar é saber sofrer em silêncio um amor mudo e calado, mesmo que o peito peça para que se fala, se grite e se anuncie o amor. Amar é saber desejar as maiores felicidades do mundo a quem se ama quando essa pessoa não quer estar connosco. Amar é abdicar de certos e determinados princípios em prol de um amor, é ser-se forte para poder lutar contra tudo e contra todos…”

Ernesto olhava fixamente para o jovem à sua frente. De repente, uma pequena lágrima escorre pelo rosto cansado e marcado pela vida do idoso. Os seus olhos denotavam um brilho especial, um brilho magnífico, fora do normal…

“Sabe, rapaz, um dia fui como tu…um dia pensei e senti exactamente tudo o que acabaste de descrever. É impressionante, parece que me estou a ouvir a mim mesmo. Chega a arrepiar até…Mas deixa-me fazer-te uma pergunta: tens alguém na tua vida? Isto é, tens namorada?”, concluiu Ernesto…

O jovem não respondeu. De certeza que aquela pergunta tinha algo a mais do que a própria pergunta. E Ernesto, apercebendo-se do silêncio do seu jovem interlocutor, apressou-se e antecipou-se a ele, dizendo que não, o jovem não tinha namorada…

“E vou te explicar porquê. Não tens porque já ninguém pensa assim como tu. Já ninguém se arrisca, já ninguém está disposto a dar as cabeçadas necessárias para aprender e começar a acertar. E isso deixa-te numa situação desfavorável, não é? Ao fim e ao cabo, acontece-te a ti o que me aconteceu a mim durante muitos e bons anos: apaixonas-te, vais à luta, perdes e começas a entrar no dilema pensar/sentir – pensas em mulheres, em envolveres-te com elas, mas já não consegues sentir nada para além disso…”, afirmou Ernesto num tom sério e professoral…

E de facto era verdade. Aquele jovem que ali estava, supostamente tão sábio e tão convicto sobre as questões do amor, era um ser solitário. Apaixonara-se pouco mais do que um par de vezes ao longo da sua vida, amara menos vezes ainda, e continuava só, sem conseguir arranjar solução para o seu problema…

E cada vez mais sentia que a felicidade amorosa não era para ele. Sentia-se demasiado “escaldado” das suas aventuras amorosas e começava a ser menos intrépido, menos arrojado na sua abordagem ao amor e às mulheres…

“Então e porque me diz isto tudo? Porque se preocupa comigo?”, perguntou o jovem ao idoso. “Simples, não quero que te aconteça a ti o mesmo que me aconteceu a mim. Eu demorei muito tempo até me aperceber que só se pode ser feliz com quem quer ser feliz connosco. Podes desejar alcançar o impossível, mas para o tornares possível tens que batalhar muito, e por vezes a pessoa pela qual se batalha não nos valoriza. Comigo foi assim e se não tivesse acordado a tempo, hoje em dia não teria filhos e netos maravilhosos como tenho…”, referiu Ernesto, apontando para um pequeno álbum de fotos que se encontrava em cima da mesinha da varanda…

“Mas então…o senhor não amou, é isso? Como foi que fez em relação à sua mulher?”, inquiriu o jovem, cada vez mais confuso. Ernesto sorriu e respondeu “a arte de amar também se aprende. E se tiveres paciência e alguma sorte, acabarás por ensinar e aprender uma nova forma de amar, diferente daquilo que julgavas e igualmente recompensadora”.

“Ou seja?”, voltou a insistir o jovem.

“Não podes obrigar ninguém a te amar, mas podes ensinar a essa pessoa o que é o amor. Eis o teu caminho, eis a tua estrada. Para pessoas como tu, só há essa via. Caso contrário serás sempre um solitário…”

Aquelas palavras não caíram bem junto do jovem. O seu semblante tornou-se triste e pesado, e Ernesto apercebeu-se disso. Quiçá arrependido das suas palavras, o velho Ernesto ainda tentou remediar as coisas, mas em vão. Os danos já estavam feitos…

O rapaz pediu licença a Ernesto e disse que já estava na hora de se ir embora. Agradeceu a conversa, disse que tinha sido bom conhecer alguém tão sábio como o simpático idoso e estendeu-lhe a mão para o cumprimentar. Ernesto também disse estar honrado por o ter conhecido e disse que há vários anos que não tinha companhia para filosofar sobre o amor...

O rapaz sorriu e dirigiu-se para a porta de saída. A meio, parou, voltou-se para Ernesto e fez-lhe uma última questão:

“O senhor acha estou errado ao pensar como penso? Aliás, ao sentir o que sinto? É que eu penso em mulheres e as coisas até acontecem, mas depois…no que toca a sentimentos…”

E do alto da sua sabedoria Ernesto respondeu ao jovem:

“Não, meu caro. Não estás errado. Nem estarás nunca desde que ouças o teu coração. Mas nem sempre irás encontrar alguém que o perceba e que o entenda. Por isso ainda estás sozinho…por isso arriscas-te a ficar sozinho…”

E foi desta forma que o rapaz se despediu de Ernesto, ouvindo estas últimas palavras.

Hoje o rapaz continua sozinho. E cada vez mais sente que Ernesto tem razão. Nunca mais tornara a ver aquele velho simpático de olhar expressivo e voz suave. Desde esse dia que o jovem permanece na sua solidão, uns dias mais habituado a ela, outros nem por isso…

E hoje estive com esse rapaz. Ele disse-me que acredita mesmo que a sua companheira é a solidão…Não consegui dizer nada…Faltaram-me as palavras…Afinal, também eu acredito nisso…

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