Conto de Uma Noite de Inverno...
“Há muito mais no que vejo do que aquilo que vejo. A minha visão, apesar de não alcançar mais do que a linha do horizonte, permite-me ver muito mais longe do que isso. Sei como são os campos cobertos de orvalho que não descortino a esta distância. Sei qual o perfume que a tal flor exala sempre que desabrocha, tal como sei como ela recebe a chuva que cai do céu. A mesma chuva que, de noite, vem bater à minha janela anunciando as lágrimas caídas do céu, como gosto de lhes chamar em determinadas circunstâncias. Se são lágrimas de alegria ou de tristeza? Depende…depende de como queremos encarar as coisas. Um copo tanto pode estar meio cheio como meio vazio, certo? É tudo uma questão de perspectiva. E há, de facto, dias em que penso que o céu chora porque está solidário comigo. Presunçoso, eu? Talvez, quem sabe…Mas creio que não. Aliás, sei que não. Sei que, mesmo que seja por breves milionésimos de segundo, isso acontece amiudemente. Porquê? Porque há uma ligação entre o Homem e a Natureza que nem sempre compreendemos, mas que sabemos identificar…
Há muito mais nestas palavras do que aquilo que estou a dizer. A minha objectividade torna-se subjectiva a cada letra, a cada palavra, a cada frase. Não porque esteja a perder a coerência ou o sentido do que quero escrever. Mas sim porque há, realmente, símbolos e significados que nem todas as palavras podem abarcar. Sei perfeitamente bem que este conto é apenas e só isso, um conto. E não passará disso para quem não souber o que está por trás desta narrativa, o que está na origem desta crónica de uma história anunciada, mas desconhecida. Porque há coisas assim na vida: episódios que passam e que acontecem à velocidade da luz e que acabam por nunca chegar à praça pública. E na maioria dos casos, ainda bem que assim é…Imaginem se tudo, sobre todos e em todo o lado se soubesse??? O mundo não tem, nem terá nunca, capacidade de absorção para tanto conteúdo informativo. Nem o Homem…
Há mais nas minhas mãos do que simples dedos ou anéis ou pequenas marcas de quedas ou acidentes domésticos. As minhas mãos agarram muito mais, e cada vez mais firmemente, do que mil mãos juntas. Parece exagero? Será que é mesmo? Eu sei o que tenho em mãos e dou valor a isso…porque tenho a plena noção do que é não dar valor as coisas e depois…puff!!!, deixar de as ter…sejam elas materiais ou não. Hoje sei que as minhas mãos seguram valores, ideias, sentimentos. Hoje sei que nelas posso depositar o que quiser, pois sei que não os/as deixarei cair à toa, nem deixarei que me levem algo sem, arduamente, dar luta e batalhar até não poder mais…
Há mais no meu peito do que um coração a bater. Muito mais. Muito mais mesmo. Às vezes julgo ter mais do que coração. Como também chego a pensar que não tenho nenhum…Estranho…Como pode alguém pensar assim, não é? Pois, talvez seja deveras estranho. Mas talvez seja mais estranho gostar e não se arriscar. Ou beijar e ousar mais um ou outro beijo e não dizê-lo. Ou pior, saber que temos alguém especial “em mãos” e desperdiçarmos isso apenas e só por cobardia ou inércia. Isso sim é estranho. Que não desaproveite o Homem o que o coração sentiu! Mesmo que haja dúvidas, mesmo que haja obstáculos…
Há mais na minha cabeça do que o seu interior. Aliás, se o Universo é Infinito, ainda mais o é a minha cabeça. Há muito mais pensamentos do que aquilo que penso e digo e relato e transmito. Há muito mais ideias do que aquelas que idealizo com ou sem base na ideologia das ideias em si. Sei que não conseguirei nunca transpor fielmente os meus pensamentos para este mundo. É uma falha, eu sei, mas também sei que nem os génios o conseguiram. Mas ter esta consciência já não é mau…Podia ser melhor, mas já não é mau. Um dia irei melhorar também neste campo, e aí sim saberão o que penso, quero e pretendo para mim e para mundo; para ti e para o Universo…
E também há muito mais neste “ti” do que o T e o I que se pode ler à partida. Um “ti”, tal como um “tu” ou um “nós”ou um “eles” é muito mais do que a simples aglutinação de duas ou mais letras. Até porque não estamos a falar de letras, mas sim de pessoas, de seres humanos. Estamos, ou estou eu neste caso, a falar de coisas que são vividas, pensadas e sentidas não pelas letras do alfabeto, mas sim pelos homens e mulheres da Humanidade. Estou a falar de mim, de ti, dele, dela, deles e delas, de toda a gente e mais alguma. Estou a falar de tudo o que pode encerrar essa pequena palavra que é o Amor. Estou a falar de relacionamentos, de amizades, de actos e palavras que até podem ser esquecidos, mas que um dia foram emoldurados e pendurados nas paredes das nossas memórias…
Há mais nas nossas memórias do que simples lembranças. Nelas residem a saudade, a nostalgia e mágoa. Mágoa do tempo que passou e não volta mais; mágoa do tempo que passou e não foi bem aproveitado; mágoa do que se julgou pecador sem nunca ter pecado. A nostalgia é a rotina diária da memória do dia-a-dia, a qual muitas vezes inconscientemente está no olhar doce que falta nos faz ou do sorriso que nos alegra o dia. A saudade é a chave de toda e qualquer recordação. E porque há saudade em qualquer coração que um dia neste mundo viveu, que um dia neste mundo sentiu, sorriu, chorou e amou, há esperança de que um dia se volte a viver aquela sensação única de ser e/ou de estar pleno na plenitude de tudo o que pode ser plenamente alcançado, sentido, vivido ou pensado.
Há mais neste conto do que um simples conto. E ao contrário dos outros, a este ninguém lhe poderá acrescentar um ponto aquando do relato deste conto. Porquê? Porque há muito mais nestas linhas do que simples palavras. Porque há muito mais nestes parágrafos do que simples frases. Porque há muito mais nestas duas páginas A4 de texto do que o que eu queria transmitir. Aqui está apenas uma centelha do que é e esta a ser o meu conto de Inverno. Está aqui apenas uma singelíssima fracção do que sou eu enquanto número inteiro. E numericamente falando sou um e sou uno, mas sou mais do que isso também. E sou inteiro sempre que quero, mesmo que o meu mundo esteja fraccionado…
Finalizo dizendo que também há menos neste conto do que alguns possam imaginar. Há menos surrealismo do que em outros textos meus. Há menos metáforas e menos recursos de estilo. Há menos poesia prosaica, mas talvez haja mais prosa poética ou lírica. Longe de mim ser um Fernando Pessoa ou um Cesário Verde, mas sinto que há aqui neste conto algo mais do que eu mesmo. Talvez estejam aqui vários “eus” meus…talvez estejam aqui várias etapas minhas…Mas o que gostaria que estivesse aqui…ah, isso não está…
E não está porque aqui não pode estar o que vislumbro para além do horizonte que vejo, nem o sabor dos teus lábios quando um dia sonhar que te beijo. Aqui não pode estar a Galáxia que as minhas mãos sabem poder abarcar, nem as palavras todas que a minha boca não ousou nunca pronunciar. Nem pode estar aqui o cerne de todo o meu pensamento, o mesmo que me faz pensar no porquê de não haver aqui algo mais do que este momento que partilho, sem saber se é alegria ou sofrimento.
Afinal não pode estar aqui nada…Perdão…Minto…Estiveste sempre tu…”
Nota do Autor: Conto de Uma Noite de Inverno é tão-somente um devaneio psico-literário idealizado pelo autor. As relações causa/efeito que originaram este conto são o que são e valem o que valem…nem mais nem menos…E como em todos os contos, cabe aos leitores identificar, caso haja algo que mereça tal distinção, o que é ou não e o que vale ou não...
1 Comments:
"SOMOS DONOS DO NOSSO SILÊNCIO E ESCRAVOS DAS NOSSAS PALAVRAS"
[apenas porque acho que esta citação aqui fica bem.]
:)
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