Um Conto Real...
Estou só. Para não variar, são as paredes, os móveis, as fotos e os objectos que me acompanham. À janela, o vento e a chuva sussurram-me que não devo sair. Ao lado, a cama sorri e aconselha-me o mesmo. Mas não me apetece. Por isso saio...
Saio à procura de algo. De ar, de gente, de sons e luzes que possam, ainda que por instantes, separar-me desta solidão que me persegue, que segue colada a mim e que se me entranha na pele à medida que o tempo passa. Curiosamente, o tempo acalmou. São Pedro parece querer dar-me essa benesse. Ainda bem...
Saio sem rumo, sem destino. Não sei bem para onde ir nem o caminho a tomar. Apenas sei que quero e que estou a sair. A sair de um quarto demasiado grande para este ser demasiado pequeno. Pelo menos neste momento. Acabo por apear num qualquer café. Detenho-me aqui por notar que está cheio. De luz, de vida, de sons, de vozes. Ao contrário de mim...Pelo menos neste momento...
Entro e faço o que não costumo fazer: sento-me mesmo a meio do café. Não por querer ser o centro do Universo. Nunca quis. Faço-o apenas para me sentir rodeado, resguardado, protegido. Mesmo que não reconheça uma única alma, um único rosto à minha volta...
Folheio uma das minhas revistas de culto. O café e a água com gás já me foram servidos. Ninguém se mete comigo, ninguém sorri ou acena na minha direcção. No meio de quase uma centena de pessoas consigo estar sozinho, sentir-me sozinho, notar-me sozinho. Tal como estava minutos atrás, quando resolvi sair do meu quarto...
Começo então a reparar no ambiente e nas pessoas que me rodeiam, que me circundam. Faço uso da minha boa audição e começo a percepcionar conversas, diálogos, "bocas" e comentários. Não, não é cusquice. Nem tão-pouco curiosidade mórbida. É apenas uma forma de me sentir próximo dessas pessoas, de interagir com elas...
Daí à "encarnação" das vozes que ouço, é um passo. Ao fim de poucos segundos começo a ver-me no lugar de quem vejo...
Sou como o rapaz do casal à minha frente, que é agraciado com um beijo. Sou como o rapaz que, ao meu lado, tenta conquistar o coração de uma bela menina. Sou como qualquer um dos rapazes que, uns metros mais à frente, bebe minis e troca ideias sobre mulheres e futebol. Sou como tantos e tantos homens que se fazem acompanhar. De mulheres, de amigos, de amigas, de conhecidos e, quiçá, de desconhecidos. Sou como toda a gente, mas não sou...
Não sou porque me encontro só, sentado a meio de um café a redigir este texto. Não sou porque comigo não estão amigos, amigas, conhecidos ou desconhecidos. Não sou porque comigo não está ninguém para me agarrar na mão, me beijar suavemente os lábios ou acariciar levemente a face. Não sou porque não posso ser...
Chegado a esta conclusão, penso então nos porquê's de não ser nada daquilo que vejo. De não ser nada daquilo que sinto e observo. E suspendo o pensamento. Prefiro fazê-lo noutra altura, noutro local, noutro ambiente. Não quero que me vejam triste, pensativo ou soturno. Não que me envergonhe de estar assim. Mas prefiro continuar a ser o que sou no meio deste café: apenas mais um...
Talvez continue o pensamento em casa, no quarto, na cama. Talvez tente concluir o que não quis terminar neste café. Talvez...Não prometo nada, mas talvez até escreva sobre isso...
Entretanto, as horas avançam e sinto que este café já nada tem para me oferecer. Estou de saída e vejo que me enganei. Recebo uma mensagem no telemóvel...e sorrio. Algo raro desde que aqui me sentei. Penso responder, agradecendo o sorriso, mas não o faço. Respondo apenas à mensagem. Talvez venhas a ler este texto e aí ficarás a saber que, graças a ti, sorri. Obrigado pelo sorriso...
E é assim, já refeito do sorriso que me provocaram, que me dirijo ao carro. Ainda não sei se vou para casa, mas isso também pouco importa. Para onde quer que vá o sentimento será o mesmo. Pelo menos hoje. Pelo menos agora...
Lá fora, a noite continua limpa. Já não há chuva, vento ou frio. São Pedro continua a olhar por mim. Também ele percebe como estou e, por isso mesmo, poupa-me às intempéries. Obrigado São Pedro...
Ja não sei o que será de mim para o resto da noite. Como tal, findo aqui este meu relato, este meu conto real. Mas apenas o relato finda aqui. O resto...o resto continua igual...como sempre...
1 Comments:
Não imaginas como me revi neste teu texto...
Por momentos, quase me vi, sentada bem no meio de um café, ou de outro sítio qualquer...
Muitos parabéns, pelo poder da descrição, pelo poder de tornar realidade, dentro da minha mente, aquilo que fizeste num relato...
Bj**
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