Nota prévia:
Em primeiro lugar penso ser justo admitir que me foi custoso escrever estas palavras. Não porque elas sejam falsas ou não tenham qualquer tipo de conteúdo, mas sim por as mesmas serem o rosto de uma insatisfação que começou a ganhar corpo há muito, muito tempo atrás e que começa a ser demasiado grande e inquietante para poder ser contida.
Ao mesmo tempo, por uma questão de salvaguarda pessoal e privada, este texto que se segue é e será sempre desprovido de quaisquer intenções ou conotações políticas, sendo que todas as assumpções feitas tiveram como ponto de partida a minha pessoa, a minha mente e o meu ser. Se é verdade que ‘bebi’ de algumas conversas e de alguns conhecimentos que travei ao longo dos últimos meses, também não deixa de ser verdade o facto de as minhas ideologias políticas serem o mais transparente possível, não havendo quem possa me conotar com esta ou aquela cor, pois felizmente desse mal não padeço. Como tal…
Aos portugueses (sejam eles políticos ou não)
Penso que todos nós, nesta vida, chegamos a um ponto em que a revolta torna-se mais forte do que o habitual encolher de ombros ou do que o mais do que comum assobiar para o lado. Penso que uns mais cedo e outros mais tarde, mas todos chegam a uma altura em que a insatisfação é de tal ordem que mais não há a fazer do que dar conta dela. Mas até mesmo para se reclamar é preciso saber. Um amigo costumava dizer, a propósito dos nossos tempos de futebol, que “até para chutar para a frente é preciso saber…”. Nada mais certo…
Tendo como certo que a bola é Portugal e que nós, portugueses (perdoem-me a ousadia de, nesta fase, me considerar lusitano), somos os jogadores, que conclusão podemos nós tirar do jogo de futebol que tem sido a nossa vida nos últimos anos? Se eu fosse optimista, diria que entramos um pouco adormecidos no jogo, mas que aos poucos vamos equilibrar a contenda e na segunda parte vamos virar o resultado. Se eu fosse pessimista, diria que já entramos a perder, pois a equipa adversária é muito forte e que não temos a mais pequena hipótese de empatar, quanto mais ganhar. Se eu alinhasse pelo diapasão do costume em Portugal, diria que a culpa é do árbitro, que o campo está inclinado, que os túneis têm bichos papão escondidos e que a bola anda mais depressa contra nós do que a favor. Mas eu sou realista e como tal acredito que estamos mesmo naquela parte em que quem marcar ganha. Há uns anos atrás este período era conhecido como ‘golo de ouro’ ou ‘morte súbita’…
Pois é mesmo aqui que julgo que todos nos encontramos. E quando digo todos, quero mesmo dizer todos. Porque tal como Jesus Cristo nos terá ensinado (às vezes penso que no dia em que o Messias leccionou essa aula muitos terão tido uma amnésia conjunta momentânea, estilo ‘Flash Forward’, a série televisiva), não existem distinções de credos, nem cores nem raças. Ou numa perspectiva mais actual, de cores partidárias, de raças políticas…
O único senão desta minha análise é que de súbita esta morte parece não ter nada. Acredito que, sem desejar o mal de ninguém, muitos dos nossos políticos ficaram contentes ao saber que a seguir à Grécia foi a Hungria a surgir como país à beira da bancarrota e não Portugal. Enfim, é o do costume no povo lusitano: contentamo-nos com o mal dos outros…ainda que saibamos que esse mal também nos pode chegar a nós…
Tudo isto porquê, dirão vocês? Admito que já é mais do que altura para me justificar perante aqueles que, de forma estóica e paciente, ainda dedicam o seu tempo a ler este meu texto…
Julgo que é mais do que altura para que todos paremos com o circo que se encontra instalado em Portugal (e que não é de agora, nem do último ou do penúltimo Governo), sob pena de morrermos asfixiados no meio de tanta estupidez e idiotice. Já não há margem de erro, será que não percebem?
Já chega de querermos estar numa União Europeia (UE) só porque os fundos comunitários dão jeito. Já chega de querer andar no ‘comboio’ da UE, ainda para mais quando somos sempre o último vagão e quando nem capacidade para conduzir um carrinho de mãos nós temos. Já chega de querer tratar de tudo à base da frieza e da suposta racionalidade dos números, principalmente quando os números são pessoas. Querem exemplos?
Educação: a confusão aqui é tanta que nem sei por onde começar…Ora bem, ao contrário do Governo, vou começar por baixo, pela base, e não pelo telhado. Em Portugal, não obstante os cursos de Educação de Infância, o ensino pré-escolar não é obrigatório nos termos da lei. Para melhorar o panorama, decidiram juntar o curso de Educação de Infância ao de Professores de 1º Ciclo, dando origem ao curso de Educação Básica, o qual permitirá (embora ainda não se saiba quando nem como) ao futuro licenciado deste curso leccionar desde o ensino pré-primário ao 2º ciclo de ensino. Brutal, não? Já viram que capacidades têm estes novos professores? Sem desprimor para ninguém, mas será que alguém me consegue explicar como é que um licenciado em Educação Básica poderá sair com as competências necessárias para ser um profissional competente em qualquer um destes períodos da vida escolar de um miúdo, quando esse mesmo licenciado, ao longo do seu curso, não terá a mínima hipótese de trabalhar em todos os anos nem com todas as idades? Pelo menos não de forma coerente e consentânea com a responsabilidade de educar alguém…Depois admiram-se que existam muitos licenciados desempregados em Portugal. Mas sobre isto falarei mais adiante…
Continuando… todos sabemos que o facilitismo patente no actual sistema de ensino é por demais evidente, com os alunos a serem obrigados a passar de ano, mesmo que não tenham adquirido ainda as competências necessárias para tal. A culpa de tudo isto é dos números, os tais que ditam leis e que são mais importantes para Bruxelas (o que, muito sinceramente, não acredito. Custa-me acreditar que a UE goste de receber carradas de relatórios com números e mais números para depois, com o tempo a dar razão a quem a tem, perceberem que há algo de errado com os relatórios) e para os nossos políticos do que a verdadeira instrução e educação dos nossos jovens. Isso leva-nos à última grande pérola do Ministério da Educação português. Se um aluno com mais de 15 anos ficar retido no 8º ano, fica fora do âmbito da escolaridade obrigatória. Ora, como todos sabem, isso não pode ser, se o menino é menos habilitado para as disciplinas do 8º ano há que lhe dar uma hipótese de…efectuar exames do 9º ano para…poder transitar para o 10º ano, se passar!! Ridiculamente ridículo, eu sei. Mas pelos vistos há quem não saiba. Pelos vistos em São Bento andam todos a dormir, na Assembleia da República andam mais uns quantos a dormir e no meio disto tudo este disparate parece normal…
Eu sou do tempo, e tenho apenas 28 anos, em que os livros eram para ser lidos, em que as aulas eram para ser frequentadas e em que os professores, caso houvesse motivo para tal, podiam dar um ‘cascudo’ no aluno. Sou do tempo em que os mais velhos levavam os mais novos à pia ou ao poste, sem que isso fosse bullying. Sou do tempo em que um miúdo mal-educado ou irrequieto só tinha duas soluções: ou era castigado ou era castigado. Hoje em dia não, coitadinho, esse mesmo miúdo é hiperactivo, tem défice de atenção e de carinho e merece ir ao psicólogo, o mesmo que irá dizer que a culpa da hiperactividade é dos pais do miúdo que não lhe dão atenção nenhuma. Pudera, ambos têm que trabalhar a triplicar para poder pagar o psicólogo e os remédios que supostamente irão fazer com que o miúdo entre nos eixos…
Ainda sobre a educação…Acho piada ao Processo de Bolonha. Mais uma invenção europeia, da Europa dos ricos, à qual, como não poderia deixar de ser, Portugal quis-se juntar, sob pena de ficar para trás. Mas onde é que nos encontrávamos mesmo, aquando da assinatura desse tratado? Ah, pois é…Deixem-me que vos refresque a memória: em 2003, quando mais de 75% das instituições de ensino superior em Portugal mal sabiam o que era o Processo de Bolonha (quase ninguém ainda tinha ouvido sequer falar de tal coisa), alguns entendidos e doutos na área da Educação decidiram antecipar, assinando em Setembro desse mesmo ano um tratado, a implementação do processo em cerca de 5 anos. Ora, se antigamente, com o prazo previsto para 2010 quase ninguém se sentia preparado para adoptar um sistema educativo tão exigente e complexo, imaginem o que não terá acontecido quando ficou estabelecido que a primeira fase de implementação havia sido antecipada para 2005? Bem sei que muitos vão dizer que ninguém era obrigado a ‘ter’ Bolonha já em 2005, mas todos sabemos como isto funciona em Portugal: ninguém quer saber se há condições para que um projecto novo seja feito; o que interessa é que já há alguém a fazer e não podemos ficar para trás. Resultado: continuamos a formar jovens licenciados sem o mínimo de rigor, sem o mínimo de critério e sem o mínimo de qualidade. Bem podem avançar com números, mas para mim são exactamente isso: números. E tal como os políticos não acreditam nas sondagens que os colocam como perdedores, também eu não acredito em dados governamentais…
Passando para a saúde: aqui, por ser um tema onde me sinto menos à vontade, não me vou alongar muito. Até porque isto já vai extenso. Mas será que alguém me justifica como é possível encerrarem os centros de saúde deste país? Falta de médicos? Será que a média altíssima, quando em Espanha a média de acesso para Medicina em algumas universidades é de 11 valores, tem algum peso nesta questão? E se vierem com o argumento de que a média de 19 em Portugal é sinónimo de mais qualidade, então expliquem-me porque existem tantos médicos espanhóis radicados em Portugal, alguns deles trabalhando no Interior, onde muitos dos novos licenciados em Medicina, julgando-se superiores, não aceitam trabalhar? Já agora, a propósito destas recusas, gostava que me dissessem onde é que, no juramento de Hipócrates, está escrito que um médico só pode trabalhar numa região cuja densidade demográfica é elevada ou acima de, digamos, mil habitantes por km2?
Economia: admito que sou menos dotado em Economia do que noutras áreas…mas vai daí, estou em pé de igualdade com os nossos governantes, certo? Não percebo como se falham tantas previsões (neste ponto irei misturar economia e finanças), não percebo como é que as agências de rating são sempre as culpadas, não percebo como é que tantas empresas falem e depois reabrem com os mesmos donos, mas com um nome diferente e tudo bem na mesma…Às tantas será mesmo incapacidade minha, mas não percebo como é que para umas coisas existem regras claras e definidas e para outras não, sendo certo que as derrapagens financeiras são da autoria do Povo, pois é ele que paga, e que as obras nada megalómanas de alguns governantes, como o TGV, serão pagas equitativamente por…todos aqueles que não o quiseram, estando o maior quinhão destinado ao povo. Vamos todos fazer sacrifícios? Vamos…os políticos perdem 5% dos seus salários e o Povo ganha 1 a 1,5% no IRS e no IVA também. Isto afinal não é mau de todo: os políticos perdem 5% e nós ganhamos 1 a 1,5%! Afinal os políticos gostam mesmo de nós. E mais; perdoam, desde que os infractores paguem um certo valor ao Estado, aqueles que não pagaram os seus impostos e meteram dinheiro em off-shores, permitindo-lhes ‘injectar’ o seu dinheiro no Estado português. Eu bem sei quem é que deve andar a injectar, sei sei…
Emprego: não há…
Desemprego: ah, isso sim há e muito. A cada mês que passa, novo máximo absoluto. É pena não ser assim com as nossas receitas e com o nosso PIB. Ou com a nossa posição na UE…Enquanto isso, as fábricas fecham, os patrões dão à sola e os empregados passam a trabalhar para a maior empresa nacional: o fundo de desemprego. E começa aqui um dos maiores vícios do Portugal dos nossos tempos: segundo o JN de ontem, ao fim de 9 meses de espera por trabalho, o português desiste de querer voltar a trabalhar, preferindo estar em casa. Eu cá vos digo…e é assim que querem ser alguém na vida? É assim que querem dar o salto qualitativo na vida? Não sei se conseguem, mas vejo muita gente a tentar. Falam dos brasileiros, dos africanos e dos sul-americanos, mas são dez vezes pior. Em França ou noutro país qualquer, longe dos olhares mais conhecidos e em terras onde ninguém sabe os seus nomes, varrem ruas, lavam escadas, passam fome e chegam a habitar em barracos. Mas aqui não, aqui não podem ser pedreiros, nem marceneiros, nem empregadas de limpeza…Aqui comem fiambre e arrotam presunto…coitados. E o pior é que nem sequer vêem o exemplo que dão aos seus e ao mundo…
Identidade: não existe, salvo se jogar a selecção e mesmo assim, sabe Deus. Não sou português, como sabem, mas sei que existem coisas boas aqui, sei que existem coisas pelas quais vale a pena lutar. E uma delas é a identidade. Não me digam que um país com tantos séculos de História não sabe qual o seu papel e sua identidade? Não me digam que já se esqueceram de como se faz um caminho triunfal? Porquê? Porque dá trabalho?
Meus senhores, agora que caminho para o fim deste texto (se tiver duas pessoas a ler isto desde o início já me dou por contente), deixem-me que vos faça um apelo:ASSUMAM!!!
Assumam que estamos mal, assumam que Portugal está à beira do abismo e que alguns querem mesmo dar o passo em frente. Assumam que Salazar já não pode ser desculpa, tal como a crise não pode ser desculpa, tal como o PREC, a crise de 1983 e os governos eleitos desde António Guterres não podem ser desculpa. Assumam que a culpa não é da UE que cortou o apoio X, Y ou Z, assumam que a culpa da má agricultura em Portugal não é do temporal que afectou a região oeste do país, em Dezembro último. Assumam que já não sabem o que fazer para além de dar tiros nos pés, no escuro, contra a parede e sem saber qual a direcção do ricochete…
Assumam que é hora de pararmos todos e pensarmos o que realmente pode acontecer se isto continuar assim. Porque eu não acredito que se esteja a fazer isso. Acham que custa? Que o país não pode parar? Então digam isso aos grevistas que, dia após dia, semana após semana, continuam a parar serviços, a travar a economia e ajudam a estagnar o crescimento do país. Bem sei que todos temos direito à greve, mas também sei que somos o país com mais pontes e feriados em toda a UE, bem como sei que não há outra forma de combater a crise sem ser trabalhar…
Deixemo-nos de lamúrias, de fatalismos. Enfrentemos a crise de frente, olhos nos olhos. Ganhar 450€ é pouco? É, eu sei, também vivo assim, com pouco dinheiro. Sabem o que faço? Procuro trabalhar mais, ganhar mais. Poupo menos, tenho menos vícios. E sou feliz à mesma. Não estou à espera de que os nossos governantes venham a saber o que é governar-se com 450€ ou até menos euros. Eles nunca saberão. Infelizmente este país não é justo a esse ponto nem o será tão cedo. E enquanto tivermos esta cadeia de cunhas e compadrios a mandar em Portugal, o melhor que temos a fazer é…ou emigramos ou lutamos…
As armas são desiguais, eu sei. A lei não nos protege, eu sei. Mas também sei que a voz do Povo é a voz de Deus. E Deus não quer que o povo sofra. Deus quer que o Povo se una e se faça ouvir. Mas façamo-nos ouvir sem medo, sem problema, sem receio de ameaças, de escutas (que se não valem contra certas personalidades, também não valem contra mim, pois o precedente já foi aberto) ou de outras quaisquer artimanhas que possam querer utilizar contra nós…
Lembrem-se que não devemos estar contra ninguém, mas sim a favor da verdade, ao lado da justiça e de braço dado com a união. Não sou o único a pensar assim, estou certo disso. Como tal, façam-se ouvir. Peguem nestas palavras, que mais não são do que as palavras de milhares e milhares de portugueses e façam delas as vossas palavras. Acrescentem-lhes o vosso cunho pessoal, as vossas ideias, as vossas visões sobre o que poderá ser o Portugal com que tantos sonham e querem ver tornado realidade…
Não deixem que sejam os outros a dizer que tudo está bem, dando ares senhoriais a Bruxelas quando a sua própria casa está longe de ser arrumada. Não deixem que sejam os outros a brincar com as vossas vidas, os vossos sonhos, as vossas utopias…
Lutem, façam-se ouvir ou então façam aquilo que muitos querem difundir e tornar como hábito nacional: assobiem para o lado, encolham os ombros e façam de conta que não sabem do que estou a falar…mesmo que saibam…
Desculpe este meu desabafo, mas estava mesmo a precisar. A partir de agora, que cada um faça o que bem entender. Eu já estou a trilhar o meu caminho. Apenas desejo que cada um possa fazer o mesmo…
Que Deus vos abençoe. LF
PS- Por último, quero referir, porque não sou ingrato, que sei reconhecer que Portugal tem gente de primeira categoria e que existem muitos e bons valores em Portugal. Por isso mesmo este texto. Por isso mesmo este apelo. Apareçam e ajudem a fazer deste um pais grande e valoroso como outrora foi. E mais adiante, noutro texto, para que não digam que apenas critiquei e não apontei soluções, irei divulgar algumas ideias.