Mais vale tarde que nunca...
Procurei disfarçar o embaraço de ter sido apanhado a chorar por um miúdo de seis anos (mais coisa, menos coisa, creio eu…). Tentei que ele não percebesse a minha tristeza, mas já era tarde de mais. E de novo a mesma pergunta: porque choras tu?
Confesso que fui apanhado de surpresa. Não estava à espera de me distrair nas minhas próprias lágrimas (mesmo tendo em conta que estava resguardado a um canto, longe de possíveis olhares intrometidos) nem tão-pouco de ser apanhado. Mas os garotos são mesmo assim, sempre imprevisíveis…
Fiquei impávido e sereno, a olhar para o rapaz. Ele não arredou pé e manteve a sua postura estranhamente segura. Não percebi como havia de fazer para que ele se fosse embora e acabei por tentar “meter-me” com ele, fazendo caretas, a ver se ele desarmava. Acabou por resultar, mas passado uns segundos o garoto voltou a perguntar o motivo do meu choro…
Pensei em mentir-lhe, em inventar algo, sei lá, pensei em tanta coisa que não correspondesse à verdade…Mas desisti dessas ideias. Não queria mentir a um rapazinho tão novo e que apenas me fizera uma pergunta inocente. Achei que seria maldade e que, já que estava ali alguém a falar comigo, deveria aproveitar a oportunidade para desanuviar um pouco…
Sem saber muito bem como, convidei o rapaz a sentar-se ao meu lado. Ele acedeu e ali estávamos nós, duas gerações completamente diferentes, sem nada em comum para além do facto de estarmos no mesmo lugar, à mesma hora…
Seu nome era Gabriel. Para além dos olhos verdes, o sorriso deste menino transmitia uma paz e uma tranquilidade contagiantes. E aos poucos fui-me sentindo mais calmo e mais liberto, menos tenso e mais disposto a responder a ele…
E antes que ele pudesse voltar a repetir a sua pergunta, virei-me para ele e perguntei-lhe o porquê da sua pergunta. “Não gosto de ver as pessoas a chorar” – foi só isto que ele disse, encolhendo os seus pequeninos ombros logo a seguir, como se o argumento não fosse bom o suficiente…
Sorri para ele e comecei a contar o porquê da minha tristeza, procurando ser o mais claro e simples possível. Disse-lhe que estava com problemas, que andava com muito em que pensar e que as coisas não estavam fáceis, e que por isso acabei por chorar…
Ele perguntou que tipo de problemas eu tinha, se eram grandes, se eram “problemas maus”…Só as crianças mesmo…Respondi que tinha um que, aparentemente, era muito, muito mau, e que os outros eram normais. A uma dada altura disse-lhe que havia coisas piores na vida e ele perguntou o quê, e apercebi-me do meu erro, hehe…As crianças perguntam demasiado e hoje eu não estava propriamente num dos meus dias de sábio…
Tentei desviar a conversa, mas ele não deixou. Insistiu mais um pouco com a história dos problemas e a custo, tenho que confessar, lá fui contornando as perguntas daquele rapazinho de olhar expressivo…
Às tantas, e quando pensava que o interrogatório já tinha terminado, o miúdo mostra novamente a sua irreverência e pergunta-me se tenho namorada. De sorriso nos lábios, respondi-lhe que não, que não tinha e ele perguntou porquê. Foi a minha vez de ser criança e respondi secamente “porque não”. Mas ele não se contentou com a resposta e insistiu…
Perguntou a minha idade e ao saber quantos anos tenho, deu uma gargalhada e disse que, com a minha idade, os pais já eram casados. Posso garantir que, por momentos, só me apeteceu dar um berro ao miúdo. Vejam lá, com uns seis anos e a gozar comigo. Assim, do nada…
E como que adivinhando a minha reprimenda, Gabriel virou-se para mim e disse que seria bom se eu tivesse uma namorada. Perguntei-lhe porquê e, com a maior simplicidade e frontalidade do mundo, ele respondeu “Porque o meu pai, quando tem problemas, fala com a minha mãe e ela ajuda-o. E já o ouvi dizer muita vez que ainda bem que tem a minha mãe e que o amor que tem por ela é a melhor coisa que ele tem nesta vida…”
Fiquei perplexo. Sem palavras. Não sabia o que dizer nem como reagir. Gabriel deve ter percebido isso. O seu olhar deixava transparecer que percebia a minha perplexidade. Aos poucos reparei que os seus olhos começaram a mostrar compaixão ou algo do género…
Talvez isso devesse ter feito com que a minha tristeza aumentasse, mas não. Nem aumentou nem diminuiu. Foi substituída por uma estranha curiosidade. Sim, curiosidade. De repente, e perante aquelas palavras, tive vontade de saber mais sobre os pais de Gabriel…
Virei-me para o pequeno que estava a meu lado e perguntei que mais dizia o pai dele sobre a mãe. O garoto pareceu gostar deste meu interesse e falou muito dos pais, descreveu-os, disse o que gostava neles, as brincadeiras, enfim, deu-me conta do seu maravilhoso mundo…
Mas não era bem isso que eu queria saber. Queria saber o que era esse amor entre os progenitores de Gabriel. E perguntei isso ao miúdo. Ele ficou a olhar para mim, talvez pensando que eu era estranho ou maluco. Vejam bem, um adulto a fazer perguntas destas a um garoto…
No entanto, Gabriel era mais inteligente do que eu julgara e acabou por me responder. “A única coisa que sei é que o meu pai ama muito a minha mãe e que está sempre a dizer isso a ela”, foi a sua única resposta…
Seria esse o segredo, pensei eu. Será esse o segredo de um amor? Ainda pensei em alongar a conversa com o pequeno Gabriel, mas entretanto os seus pais chegaram e ele foi ter com eles. Antes porém, o pequeno grande Gabriel deu-me um aperto de mão e lançou-me um sorriso fantasticamente pueril, um daqueles sorrisos capazes de iluminar qualquer mundo que estivesse na escuridão. Tentei retribuir e ele lá foi. Ao longe, os três acenaram para mim e lá se foram embora…
E eu ali continuei naquele mesmo jardim, naquele mesmo espaço. Só que agora outra coisa ocupava a minha mente. Agora o meu pensamento rumava a outras paragens…”
Este episódio aconteceu, de facto, comigo. Ainda só se passaram umas horas desde que isto me aconteceu e era inevitável escrever um texto sobre isto…
Agora que estou só e mergulhado num silêncio e numa escuridão completa, ponho-me a pensar melhor neste episódio. E por mais que pense, não consigo concluir muita coisa. Sou uma pessoa crente, acredito que Deus fala por sinais, acredito que a Sua mensagem nos é transmitida por meios que nem sempre descortinamos…
E talvez tenha sido mesmo isso – um sinal…
Como tal, e porque cada vez mais a vida demonstra que um dia estamos por aqui e amanhã podemos já não estar (triste verdade esta, mas pronto…), achei por bem deixar aqui o meu testemunho de uma das situações mais caricatas que já vivi. Mas também quero deixar aqui algo mais do que o meu testemunho. Quero deixar algo mais…
Certo dia, os deuses acharam por bem baralhar o meu mundo. Fizeram-me acreditar que estava condenado a passar por um período de hibernação sentimental e que a solidão seria a minha companhia de eleição…
Porém, e porque eles também gostam de alterar as regras do jogo, os deuses acabaram por me dar uma oportunidade, trazendo até mim uma criatura capaz de me retirar do meu exílio. Fizeram com que os nossos caminhos se cruzassem e as nossas histórias se misturassem…
Pouco importa o que entretanto aconteceu (aliás, importa muito, mas se retratasse os factos neste texto, correria o risco de fugir ao rumo que para ele destinei). Importa sim afirmar que hoje, e olhando para tudo o que se passou, creio ser bem claro que falhei em muitos aspectos, e essencialmente num: nunca me expressei o suficiente…
Nunca te disse o quanto adorava o teu olhar meigo e doce. Aquele mesmo olhar que me deitavas a seguir a um momento de maior carinho e ternura entre nós…
Nunca te disse o quanto apreciava o teu sorriso, a magia que dele provinha e a beleza que dele irradiava. Nem o quanto sinto, ainda, falta desse gesto tão simples, mas tão esplendoroso na tua pessoa…
Nunca te disse o quanto sonhava com os nossos corpos colados um ao outro, centímetro a centímetro, bem juntinhos, perfeitamente encaixados e divinamente em sintonia…
Nunca te disse o quão bom era sentir o teu perfume. Na minha roupa, no meu corpo, no meio de um abraço, de um beijo, de um “chamego” ou apenas e só porque o vento te fazia anunciar…
Nunca te disse o quão bem me fazias sentir quando te sentavas ao meu colo e te punhas a percorrer os meus braços com as tuas unhas, deslizando suavemente para cima e para baixo, seguindo as linhas traçadas pelas minhas veias…
Nunca te disse o quão feliz eu era por saber que vinhas ter comigo fosse a que hora fosse e em que local fosse, pouco importando se fazia chuva, sol, vento, etc…
Nunca te disse o quão especial eu me sentia por todas as horas infindáveis de conversas, de mensagens, de mail’s que tantas vezes trocámos, nos quais também me fazias sentir feliz graças a frases que só mesmo tu poderias dizer…
Nunca te disse o quanto suspirava de cada vez que tinhas que partir, de cada vez que tínhamos que dizer “até amanhã” ou “dorme bem”. Ou quando te despedias de mim com um sorriso ou um beijo e um abraço…
Nunca te disse o quão incrivelmente “cachopo” me fazias sentir, aguçando a minha criatividade, o meu desejo de te ver e fazer feliz…
Nunca te disse o quão mágico era o nosso abraço, esse momento tão único e tão belo. Bem sei que os abraços podem parecer todos iguais, mas não, este era diferente. Era como se as nossas almas também se abraçassem…
Nunca te disse o quão linda te achava, o quanto admirava a tua beleza, a tua força, a tua alegria. Nem tão-pouco o quanto te desejava enquanto mulher, enquanto ser capaz de me desarmar com um beijo apaixonado ou um olhar mais sedutor…
Nunca te disse o quanto passei a gostar de mesas, cadeiras e, essencialmente, de paredes…
Nunca te disse o quanto mudou para mim, certo local em Coimbra depois de to ter mostrado. Nunca te disse que a beleza desse mesmo local nunca se poderia comparar à tua…
Nem nunca te disse o quanto gostaria de ter visto um pôr-do-sol contigo a meu lado numa praia, no cimo de uma montanha ou até mesmo no nosso local…
Nunca te disse o quanto gostava de te observar ao longe, seguir os teus movimentos sabendo que tu me sabias a olhar para ti…
Nunca te disse quão bom era quando estávamos só nós os dois, juntos, abraçados ou lado a lado, a rir ou a conversar, a beijarmo-nos ou a contemplarmo-nos…
Nunca te disse todas as palavras que sabia querer dizer, mas só através dos olhos conseguia expressar…
Nunca te disse que se a Felicidade é um fim, tu eras um meio para esse fim…
Nunca te disse que se o Amor é de loucos, então eu era o mais insano de todos eles…
Enfim, acho que, afinal, nunca te disse nada. E hoje arrependo-me…
Não que isso pudesse ter feito a diferença. Não creio que seja isso, não sei…Mas arrependo-me porque, nessa altura, estavas onde mais precisava…Estavas para mim como a mãe do Gabriel está para o seu pai...E eu não soube valorizar esse facto o suficiente…
Diz uma música de João Pedro Pais que “a vida talvez sejam só três dias/e eu quero andar sempre devagar/até a ti chegar…”, mas eu posso não estar cá para esses três dias. Por isso, e porque sinto que nunca te disse nada, hoje quero dizer-te algo. Não te posso nem vou dizer tudo, mas quero dizer-te algo…
Quero dizer-te que, desde então e até agora, a única certeza que tive na vida era o meu sentimento por ti. E apesar de não ser como o pai do pequeno Gabriel, que diz sempre à sua mulher o que sente por ela, hoje quero afirmá-lo para ti. Mesmo sabendo que já vou tarde…
Obrigado. Pela beleza do que vivemos., pela magia que trouxeste à minha vida, pela alegria que trouxeste ao meu mundo. Obrigado pelo brilho que sempre vi nos teus olhos (tal como dizias ver nos meus), pela segurança que sempre me soubeste transmitir e por me teres feito sentir o ser mais especial ao cimo da Terra…
Obrigado por me teres retirado do fundo do poço e por me teres pintado, com todas as cores do arco-íris, as manhãs, as tardes e as noites com esse teu jeito de ser e de estar. Obrigado por me teres feito sentir a paixão que senti. Obrigado por me teres feito transformar essa paixão em algo mais…
Obrigado por me teres feito acreditar de novo num sentimento que julgara não poder voltar a sentir. Obrigado por me teres ensinado o quão importante é sorrir…
E ainda que hoje sinta alguma mágoa por nunca te ter dito isto e muito mais, e que essa mágoa esteja a provocar em mim uma tremenda dor…obrigado por tudo…especialmente pelo amor…
PS – este texto é a minha homenagem ao Gabriel. Espero, um dia, poder mostrar-te o que fizeste por mim…