Avisto o mundo de que faço parte e deixo-me estar especado. Corpo e mente parecem não querer entrar nesse mundo, nessa cúpula tão estranha e tão díspar daquilo a que, noutra dimensão, estou habituado…
Aqui, nesta existência realisticamente surreal, deparo-me com gestos e atitudes que em tudo violentam a minha maneira de ser, de estar, de viver, de actuar. A cada segundo, a cada minuto, a cada hora, a cada tudo que vejo acontecer, um pedaço de mim perece…
Porque não há nada: não há valores, não há regras, não há coerência, não há verdade, não há sinais de que isto não esteja tão perdido (ou mais ainda) quanto as pessoas me fazem, e cada vez mais, querer crer…
Não sou mais nem melhor, sou IMENSAMENTE E ETERNAMENTE diferente. Diferente de tudo o que tenho visto, de tudo o que tenho presenciado…
Ontem, e uma vez mais, a raça humana desiludiu-me. Por não saber separar as águas, por não saber ser nem estar, por demonstrar preferir a fugacidade ao eterno, por não saber ser coerente, por não demonstrar capacidade de orientação. Desiludiu-me por não entender o verdadeiro alcance de certas e determinadas atitudes, de certos e determinados gestos…
Como ainda muito recentemente proferi, qualidades e defeitos todos nós temos, por isso, o que nos define são as nossas atitudes. E ontem as atitudes definiram, e de que maneira, o mundo à minha volta…
Sim, o mundo à minha volta. Porque, quer acreditem ou não, ontem tudo se passou à minha volta. Desnecessariamente, acreditem, mas de facto assim foi. E com isso apenas ganhei uma nova oportunidade de comprovar o caos psico-socio-comportamental em que a nossas sociedade mergulhou…
Ontem o certo deixou de ser o certo e o errado deixou de ser o errado. À excepção, justiça seja feita, de uma ou outra pessoa, o mundo deixou-se enlear em mais umas quantas centenas de teias abruptamente mal concebidas e que mais abruptamente irão ceder quando o cometa da fugacidade se aproximar desta atmosfera…
Escrevo estas linhas com um enorme misto de amargura e desapontamento e desilusão. Não imaginam…não imaginam o quanto custa olhar ao redor e a perceber que afinal…que realmente não se é daqui, que não se é deste planeta…
Talvez seja eu o errado…mas não, não creio…sou apenas demasiado diferente, estou demasiado habituado às minhas origens, aos meus antepassados ancestrais. E essa percepção, essa constatação, ainda que explique muita coisa, não me acalma nem me alegra…
Assim vai esta dimensão, este mundo que, de quando em vez, me testa, me sobrecarga, me coloca entre a espada e a parede, como que exigindo que me decida pela humanização ou não da minha situação…
Porém, e depois de ontem, a questão que eu levanto, e julgo estar nesse direito, a questão é apenas e só uma: PARA QUÊ SER HUMANO?
Para quê querer fazer parte de um mundo onde as pessoas preferem continuar cobertas pelos véus do ciúme, do ódio, da vaidade, do orgulho, da maledicência, da inveja, da incoerência? Para quê querer fazer parte de um mundo onde as pessoas disfarçam as suas inseguranças e os seus anseios e medos por detrás de jogos, joguinhos e joguetes de bastidores e interesses? Para quê querer fazer parte de um mundo onde as aparências valem mais do que as essências, mesmo tendo em conta que nem mesmo essas aparências já iludem?
Triste sina esta a desta gente. Triste presente e, possivelmente, ainda mais triste futuro!
Pior, no entanto, se encontra a minha alma. Essencialmente por ter sido espectadora atenta e inesperada de tantas e tantas situações absurdas. Especialmente por, a cada pequenina peça de teatro levada a cabo por quem se julga actor da vida real, sentir-se esmorecer e perecer…
Aos poucos a minha própria luz apagou-se ontem. Nem mesmo Baco conseguiu toldar-me a visão e condicionar-me o raciocínio. Deus ontem quis ensinar-me uma lição e conseguiu, como seria de esperar…
E após a lição de ontem, volto a subir ao meu paraíso e volto a deixar-me estar. Talvez seja essa a única solução viável para mim. A humanização do meu ser pode esperar. Ou então pode nem vir a acontecer…
No fundo, só queria que as pessoas me ouvissem. Não por ser eu o detentor da verdade absolutas das coisas ou da Vida, mas sim porque tudo seria mais fácil se assim fosse. Ainda por cima não seria eu o maior beneficiado, caso me ouvissem…
Depois admiram-se quando me calo, quando me deixo estar quieto e soturno no meu canto, quando me limito a ser (ou a tentar ser) mais um. E, curiosamente, reside aqui o ponto paradoxal da questão: não querem que eu aja como mais um, mas as suas atitudes levam-me a que apenas deseje, junto deles, ser mais um…
Avisto o mundo de que faço parte e deixo-me estar especado. Corpo e mente parecem não querer entrar nesse mundo, nessa cúpula tão estranha e tão díspar daquilo a que, noutra dimensão, estou habituado…
E, de facto, não querem…Agarro então nas minhas asas e voo. Para bem longe, para lá da compreensão humana, para lá deste Universo. Não sei se voltarei…ou se, ao voltar, terei sequer vontade de avistar este mundo…