Há alturas em que o mundo parece deserto. Somos 6 biliões de seres humanos, mas todos parecem poucos, ausentes. O tempo parece parar. A Lua, há muito no céu, parece não querer dar lugar ao Sol que apresenta um novo dia, um novo caminho. O ar sopra, mas muito levemente, como que temeroso perante a quietude e a serenidade da ausência de movimentos, de barulhos ou de ruídos.
Nessas alturas, sinto-me impotente. Perante o tempo que não avança; perante a Lua que não desce e o Sol que não sobe; perante a brisa que não ousa ser vento; perante o silêncio mais cortante que há: o silêncio da solidão.
É nesse silêncio que os nossos demónios se aproximam e tentam se apoderar das nossas almas. Fazem-nos enfrentar os nossos medos, confrontam-nos e indagam-nos, levando-nos a questionar o como, o quê e o porquê de estarmos nesse silêncio. E ao longo desse confronto, somos muitas vezes escravos do silêncio da solidão. Às vezes até nos deixamos dominar. Sentimo-nos fracos, incapazes e pouco merecedores de qualquer companhia. Chegamos mesmo a desejar cenários impensáveis ou a sondar os nossos pensamentos insondáveis. Porquê? Porque o silêncio da solidão é a criptonite de quem vive em sociedade, mas sente-se um misfit. Porque o silêncio da solidão congela, petrifica e amedronta quem não tem com quem partilhar as suas ideias, as suas ânsias, as suas vontades e ambições...
E que fazer então quando somos assolados por esse silêncio? Sentamo-nos em frente ao pc e escrevemos no nosso blog? Damos cabeçadas na parede até cairmos para o lado inconscientes? Bebemos uns copos até ficarmos grogues? Fumamos uma substância alucinogénica para podermos ver amigos invisíveis? Sinceramente, não sei. Até porque não costumo experimentar nenhuma das soluções atrás referidas. Então, como faço?
Simples: assumo, sem problemas, que estou só, que me sinto só e que sou um ser só. Mas sou-o porque a presença de outrém não acontece. Apenas e só por isso. E não me deixo dominar pelo silêncio da solidão porque possuo memória. Porque possuo em mim milhares de milhões de recordações de coisas, acontecimentos e pessoas que não permitem que eu seja acossado pela estirpe mais perigosa do silêncio. É graças a mim mesmo que não estou só. Porque sei que em espírito há sempre alguém comigo: colegas e amigos infelizmente já desaparecidos; amigos de longa data ausentes; família; amigos e conhecidos; pessoas de quem gosto, etc...todos eles estão comigo porque os trago dentro de mim. Para além disso, Deus não me deixa estar sozinho...nunca...nem ele nem o meu anjo da guarda nem os santos que me protegem...
E será que estou certo no que digo? Como não está aqui ninguém para me contrariar, acredito que sim. Estou só no meu quarto. Ouço música e deixo que os meus dedos, a mando do meu cérebro, divaguem e façam destas linhas algo digno de ser lido por mim e por outros que passeem por este meu cantinho.
O mais curioso é que ainda assim o silêncio da solidão procura fazer-se sentir...e tal como numa luta de boxe, há rounds em que sinto que ele ganha. Mas nem que seja aos pontos, a vitória final é minha. Porque amo, porque choro, porque rio e porque celebro comigo mesmo as vitórias e derrotas, as alegrias e tristezas, os amores e desamores que vivi e vou vivendo com centenas de pessoas que se cruzaram e se cruzam no meu caminho.
E porque o silêncio já nada mais tem para oferecer, afasta-se. Segue rumo a outras paragens certo de que um dia (pode ser já amanhã) vai voltar e vai triunfar. E a sua crença reside na sua tenacidade e no seu oportunismo. Mas isso não me incomoda. Até porque, e sem saber disso, ao vir ter comigo, o silêncio da solidão faz-me companhia e fortalece-me. Ajuda-me a lembrar os que gostam de mim e aqueles de quem eu gosto. Alimenta-me a alma e o espírito com as suas confrontações. Serve-me a mim ao querer servir-se de mim...
Já cá não está o silêncio. E se agora sim eu deveria sentir-me sozinho, tal não acontece. Neste espaço de tempo vi e revi quem comigo chorou, riu, perdeu e triunfou. Neste espaço de tempo senti o cheiro de quem tenho saudades, saboreei os sabores de quem para mim cozinhou, senti o toque de quem já me tocou, senti o abraço de quem já me abraçou. Neste espaço de tempo, amei e fui amado, beijei e fui beijado, enfim, pela sorte fui bafejado.
Abençoado sejas, silêncio da solidão. Pois sem ti talvez me sentisse realmente só...