Um dia a vida prega-nos uma partida, retira-nos o tapete debaixo dos pés a uma velocidade tal que só damos pela sua falta quando o traumatismo provocado pela queda é já por demais evidente e notório…
Nessa altura perdemos a noção das coisas. Ficamos desnorteados, paralisados pelo medo, petrificados em certos casos. Nada parece fazer sentido, nada parece ter lógica. Tudo se torna escuro, tudo se torna nefasto. O mundo morre mesmo havendo vida. A própria vida deixa de fazer sentido…
Passam os segundos, que se assemelham a semanas inteiras, e a sensação de imenso vazio e eterna saudade aumenta, expande-se, ganha asas e voa em direcção a todos os cantos e recantos por onde possa passar a nossa mente. O repouso é invadido e assolado por todo o tipo de memórias, sentimentos, recordações e sensações que se possam imaginar. O coração aperta, muito, demasiado, ao ponto de parecer não ser mais capaz de bombear sangue para o resto do corpo de modo a que se possa viver. O oxigénio como que se torna rarefeito, escasseia e sufoca através da sua inexistência. É tudo tão difícil…
Já não queremos a luz, já não queremos o Sol, já não queremos nada mais para além do isolamento, do auto-ostracismo, da falsa ilusão de que sozinho se está melhor, mais capaz e mais disposto a encarar o verdade nua e crua, tal e qual ela é…
Um dia a vida transforma-se. Ao perdermos a peça central da engrenagem sobre a qual sempre nos apoiamos, notamos quão frágil é a nossa posição nessa mesma engrenagem, o quão enganados estamos enganados sobre nós próprios…
E de repente, quase tão depressa quanto a queda que nos levou ao abismo, sentimos uma pontada no coração, na alma. Sentimos um ligeiro e ténue pulsar que nos leva a crer que estamos vivos, que ainda temos direito a mais uma oportunidade, a mais uma chance na mesma vida que amaldiçoamos minutos, dias, semanas antes…
É estranha esta situação. Por vezes julgo que é cruel sentirmos tudo isto. Não sei, mas é mesmo assim que tem que ser, certo? Faz parte. Da vida, do processo de crescimento e amadurecimento. Faz parte da própria vida em si…
Da própria vida…a mesma que me magoa é a mesma que bafeja. Se de um lado tira o que tenho de mais precioso, do outro oferece-me a possibilidade de poder vir a ter algo de valor semelhante, ainda que em hemisférios completamente diferentes. Penso que são coisas da vida…
Então um dia somos surpreendidos. Um dia, do fundo do poço onde nos encontramos, submersos numa miséria imensurável, abafados pelos gritos mudos que nos irrompem da alma e nos rasgam o peito, um dia recebemos um sinal. Pode ser uma pedra que cai da beira do poço, pode ser um ramo de árvore trazido pelo vento, pode ser um animal que acidentalmente cai no mesmo poço em que nos encontramos…Pode ser também uma luz…
A primeira reacção é ficarmos amedrontados. Porque a luz cega, porque não queremos luz num mundo que acaba de perder a sua maior, mais cintilante e mais brilhante estrela. Porque não pode haver luz no fundo do poço…Porém a luz mantém-se, pernoita ao nosso lado, amanhece ao nosso lado, tudo faz para não deixar que escavemos ainda mais o buraco em que nos encontramos. E ao longo de 24 horas, a luz dialoga, procura saber, indaga, pergunta, contacta, toca, faz questão de que haja contacto. Não porque necessite, mas para que sintamos o toque, para que saibamos que estamos vivos, que ainda temos sensibilidade ao toque mesmo depois de termos sentido o coração morrer e apodrecer lentamente…
Do nada habituamo-nos a essa luz, começamos a gostar e a usufruir da sua companhia. Ao ponto de ela se tornar indispensável, de ela se tornar a única tábua de salvação para quem já em nada, ou quase nada, acredita…
Passam os dias, passam as horas, contam-se os minutos e suspira-se por mais e mais segundos. Passamos a não imaginar a nossa vivência sem essa luz, sem esse apoio, sem essa aura mágica e eterna. É por isso que sentimos necessidade de lhe dar contornos, de lhe dar um rosto, uma voz, um olhar, um toque…
A luz passa a ter um aspecto humano. Faz parte da nossa necessidade, ainda que eventualmente secreta, de personalizar o que não entendemos, o que desconhecemos. Aí está…depois juntamos a esse ser que idealizamos a possível capacidade de vir a sentir, de vir a partilhar o que sentimos, vemos, desejamos, queremos e aspiramos…
Pouco tempo depois já não há apenas a luz. Há mais, muito mais...
Hoje sei disso porque esta situação aconteceu comigo. Eu vivi o que descrevo umas quantas linhas atrás. Eu sei que o vivi. E hoje, mais do que nunca, sei que a vida é apenas mais uma passagem, apenas mais uma ponte que uns quantos atravessam para outro lado, seja ele qual for…
Eu acredito nisso, tal como acredito que Deus me irá dar a oportunidade de comprovar as minhas teorias e de vivenciar as minhas pretensões…
Hoje, mais do que nunca, sei que estou a tentar lutar. A lutar para sair do poço, para poder vir à tona e respirar. Podem considerar que sou um ser muito forte, já que não choro nem demonstro certos sentimentos. Pois desenganem-se…
A minha força reside na força dos que me apoiam, dos que me rodeiam e me querem bem. E neste momento a minha força advém essencialmente de quem acaba de me deixar, ainda que apenas em corpo, já que o seu espírito permanece comigo…
Além disso, tenho comigo uma luz, um ser personalizado e idealizado por mim, alguém que não me deixa ir (ainda) mais ao fundo, alguém que se diz disposto a fazer tudo por mim…
Talvez tenhas mesmo razão…talvez a minha mãe estivesse mesmo à espera de que isto acontecesse. E se assim foi, é porque deves mesmo ser um anjo, uma luz que veio na altura certa, no momento exacto…
Um dia, mesmo das profundezas do nosso abismo, Deus se lembra de nós. E nós, porque devemos isso a Ele, devemos apenas retribuir…
Um dia, alguém também se lembra de nós e nos faz sentir bafejados pela sorte, fazendo-nos sentir que o mundo é, de facto, perfeito. E, sinceramente, dentro de toda a imperfeição possível, acho que desta vez posso vir a construir um mundo perfeito…
Obrigado Di…